Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
edições CanalSonora
(1) ÁLVARO DE CAMPOS PAI
1 .
Eu fui o pai dele.
Nunca o conheci muito bem.
Ele era meu filho, e eu queria pensar
Que ele gostava de mim. Mas nunca vou saber.
Ele era demasiado jovem e agora está morto, como eu.
Deixámos marcas? Ou será que morremos incógnitos?
Eu era diplomata. Ele era escritor.
2.
Uma vez ele mandou-me uns poemas.
Eu nunca os vi impressos.
Eu estava tão longe. Japão, Meu Deus!
Acha que tínhamos livros lá?
Só livros ilustrados de marinheiros náufragos,
Pornografia, basicamente.
E livros de orações.
Pertencentes a homens desesperados.
O nosso tempo pós-fotográfico tem sido pautado por descobertas quer acidentais, quer intencionais e desenfreadas, de um certo arquivo perdido que se procura resgatar para a memória coletiva. Esse arquivo, inexistente, ou não manifesto, até que surge à luz do dia, pretende recuperar tanto o universal quanto universos mais íntimos e pessoais que, sem deixarem de pertencer e de, nalguma medida, representar o primeiro, se inscrevem numa lógica particular direcionada para nichos de interesses, uma espécie de voyeurismo auto autorizado ou auto legitimado pelo facto do seu olhar se dirigir para as franjas da história, para aquilo que esta esqueceu e descartou. É nos inventários pessoais, muitas vezes construídos com zelo ao longo de décadas, e esquecidos logo pelas gerações seguintes – quando não até, tragicamente, mesmo por quem os erigiu, como forma de se distanciar de separações, desaparecimentos ou de traumas irreparáveis –, que se descobrem inusitados contributos para esse arquivo perdido. (...)
Dário Agostinho
(...)
ajeito os cabelos
reajusto a vista
levanto as orelhas
finto os átomos do ar
mas não há muito que fazer
aí vem o verão
recordo um mover de mão
depois uma praia qualquer
até um adeus despistado
depois das quatro encosto a cabeça
o instinto desalinha-se o sonho reencontra-se rêverie, bien sûr
No sossego da casa antiga comovo-me.
E oiço que me confortam os fantasmas doces que ainda nela se demoram.
En la tranquilidad de la vieja casa me emociono.
Y escucho que me consuelan los dulces fantasmas que todavía en ella permanece
Apenas olhar é ver menos.
Só sentir é ler pouco.
Simplesmente escutar é ouvir nada.
Com tempo olhar é ver mais.
Deixar-se ficar a sentir é ler muito.
Atentamente escutar é ouvir o máximo.
(…) para que possas também desejar o nosso tempo
de baixar às praias que ficam para cá do inalterável ~
anda ver o céu, aqui no pátio estirados nas cadeiras de lona às riscas.
esticar as pernas, respirar fundo e esperar que um livro nos caia nas mãos
e se abra num sonho de poesia… porque não te deitas ao meu lado…
depois de arrefecer a tarde, fecha-se o livro e viveremos melhor
a memória da humanidade não está na cabeça dos homens.
existiu primeiro na palavra oral.
existiu depois na palavra escrita.
existe agora nas imagens fotográficas.
o que regista a história não é a mente, nem a boca, nem a mão.
quem escreve a história são os fotógrafos.
RELER
Logo depois
lês o que tinhas em mente,
não o que escreveste.
Anos depois
lês o que escreveste.
Mas o que tinhas em mente?
Hedonista, por fim? Não, continuo
fiel ao signo chinês dos workaholics:
esgotados os deveres por cumprir,
aguardo um feliz ano novo de cão.
Capa: Telefone de mesa “Aptofone”, Anos 30 – Património Telecomunicações.
Acervo Fundação Portuguesa das Comunicações ~ Fotografia: Luís Filipe C. de Oliveira
Tuve todo el tiempo
que hoy falta
para escribir
sobre mi tiempo.
~
Tive todo o tempo
que hoje falta
para escrever
sobre o meu tempo.
tradução ~ Fernando Pessanha
bilingue Espanhol~Português
fotografia ~ Mario Rodríguez
E eu não sei, não sei como chegámos aqui,
a esta coisa que somos hoje,
entre abetos cortados e a molidão de dias e dias a repetirem-se…
não sei, …
Como foi que tudo isto aconteceu,
que nada aconteceu?
desenhos ~ Fernando Cabrita
quando eu morrer
quero que todos os meus versos
sejam devorados e plagiados
que toda a loucura impressa na carne
deste velho vagabundo
se perpetue na boca voraz dos jovens
fotografia ~ Jorge Jubilot
~ apaixonei-me pela poesia no dia em que li que podia atravessar contigo o deserto
do mundo, fazer uma paragem para dançar e escutar o silêncio das estrelas
e depois continuar para ir avisar que é possível ser feliz
agora que temos tudo o que precisávamos ~
HELENA – (fria:) Acontece. Mas porque é que vieste falar comigo?
Era com o Luís que devias falar. (pausa) Vais ter a criança?
LEONOR – Vou, é claro. Não estava nos meus planos mais próximos mas a vida é assim.
Acho que o Luís pode ser um excelente pai.
HELENA – Mas vocês têm uma relação? É que eu não sabia de nada…
fotografia ~ Isabel Brinca
-Eu, de tanto medo que tenho de perder as palavras,
guardo-as nas minhas caixas de memória futura.
Até que me rebentem nas mãos.
fotografia - António Prata
passados todos estes anos
a rosa dos ventos continua imóvel
a bússola já percorreu o sul, o leste, o oeste
e o enigma continua por decifrar
fotografia ~ Jorge Jubilot
Y entonces entendí que la fuerza
dependía de nuestros brazos
y, tal vez, de un puente.
poesia ~ Ana Deacracia ~ Bárbara Grande Gil ~ Carmen Vargas ~ Chia Geráldez Tinoco ~ Diego Mesa ~ Eladio Orta ~ Enrique Garcia Bolãnos ~ Eva Vaz ~ Jose Angel Garrido ~ José Luis Piquero ~José Luis Rua ~ Josefa Parra ~ Josefa Virella Trinidad ~ Manuel Moya ~ Mar Dominguez ~ Maria Carvajal ~ Maria Luísa Dominguez Borrallo ~ Mario Rodriguez Garcia ~Raquel Zarazaga ~ Santiago Pablo Romero ~ Uberto Stabile ~ fotografias ~ Edu Pereiro ~ Pedro Jubilot ~ prefácio ~ Joaquin Rodriguez ~
«Ao chegar a casa, uma indescritível vontade de escrever abateu-se sobreo poeta.Num impulso repentino,
lançou-se ébrio sobre a escrita. Escreveu possesso, endiabrado, frenético, como nunca antes o fizera.»
fotografia ~ Francisco Carvalho com Isabel Bartolomeu
Diz-se que se deve beber cada dia como se fosse o último.
Mas mesmo assim desejamos sempre ter o dia seguinte, ainda que esse dia seja uma segunda feira…
a ressaca seja dura, o mundo esteja negro e de dedo em riste apontado aos nossos olhos
fotografia ~ Luísa Soares Teixeira